Paul McCartney. Com ele, vivo um tórrido caso de amor, desde que ele me roubou de John Lennon, com quem eu tentava manter uma relação monogâmica e feliz. Entendam, John era um prato cheio pra qualquer mulher, com aquele ar meio blasé de rebelde sem causa e seus olhinhos puxados e míopes – embora ele insistisse em andar sem óculos e tivesse, por isso, que apertar os olhos como quem seduz todas ao redor. Ah, John. Você jogou sujo pra me seduzir. Começou com All I’ve Got to Do, e eu não consigo deixar de achar essa música incrivelmente sexy, passou por She Loves You, In My Life, Nowhere Man, Across the Universe e You’ve Got to Hide Your Love Away. Estas foram apenas algumas das cantadas que o malandro usou comigo. E todas funcionaram incrivelmente bem. Claro que ele precisava de um arremate, que foi Girl. Enferma, fui acometida pela síndrome do repeat. Não podia haver nada mais sedutor que a voz de Lennon cantando ‘ah girl, girl...’. Não é? Assim eu pensava.
Então Sir Paul, meio ciumento, não deixou por menos e veio atrapalhar meu momento monogâmico que não durou muito, por sinal. Não me acusem de vira-casaca. O que vocês querem? Paul era o beatle romântico, o mais assediado pelas garotas, o dono de uma voz agressiva e doce nas mesmas proporções... E ele me veio com All My Loving. Eu simplesmente não tive escapatória: ‘close your eyes and I’ll kiss you, tomorrow I’ll miss you…’. E este bendito gentleman me fez o favor de apelar, sedutor em Michelle, romântico em Here There and Everywhere, profundo em Let it Be, visceral em Yesterday e como cartada final, ebriamente apaixonado em Oh! Darling. O que pode uma pobre mortal fã dos Beatles fazer senão declarar a própria sentença de acorrentada? Oh Darling me fez querer encher a cara, berrando a plenos pulmões, escrava daquele baixista miserável e lindo.
Meu dilema enquanto fã de Beatles é eleger um favorito. Amo John, amo Paul, amo George, amo Ringo. John e sua rebeldia meio tarada (nos últimos discos). Paul Ramon e seu romantismo tão popular e doce. George e suas canções que sempre me desestabilizaram porque eram simplesmente geniais (sem falar que o George era um gato). Ringo e sua intimidade com a bateria – que outra pessoa poderia mudar o jeito de segurar as baquetas enquanto sorria e balançava a cabeça? Fora que eu adoro Octopus’s Garden e Photograph. Pronto, falei. Sou polígama, prendam-me. Mas a culpa não é minha.
Só posso imaginar o que sentiram os beatlemaníacos mais antigos, que viveram aquela era de sexo, drogas, rock’n’roll e liberdade criativa, ao assistir a um show de Sir James Paul McCartney e vê-lo ali, uma lenda viva, um dos responsáveis pela mudança da mentalidade da juventude sessentista e das gerações que vieram após. Gostar de Beatles, sendo jovem, é pedir pra sofrer. Lembrar das circunstâncias tão amargas que permearam a dissolução da banda; da pressão que houve por uma reunião em nome dos velhos tempos; da morte prematura e violenta de John Lennon; da derrota para o câncer de George; do fato de que eis uma boa banda que jamais poderá reunir-se outra vez... É tudo triste, nostálgico e definitivo.
Mas dois ainda restam. E na ativa, resistindo bravamente aos anos. Há quem diga que Paul e Ringo já deram o que tinham que dar, eu discordo. Sobretudo quando penso na multidão que foi ao Morumbi aos prantos para ver o ídolo de perto. Paul ainda tem muitas lágrimas a arrancar, fãs de gerações passadas, atuais e futuras, música a compor. Sim, música a compor – alguém já escutou This Never Happened Before, que Paul lançou em 2005? Ainda sai coelho desse mato, e eu espero que muitos.
Infelizmente, acompanhei Paul somente pela TV, abraçada ao meu bichano Paul McCartney – que é? Meu vizinho tinha um gato chamado John Lennon, ok? Essa vida de estudante dependente dos pais é triste quando refreia nossos impulsos e vontades loucas. Faltaram-me recursos, mas não vontade. E não deixei de me arrepiar com a hora convenientemente editada pela Globo de McCartney, Beatles, Wings. Eu me senti parte daquela multidão. Milhões de pessoas choraram o que eu teria chorado se lá estivesse. Obrigada, pessoal. Vocês foram porta-vozes de muitas pessoas que, como eu, desejaram com toda a alma estar lá.
E quanto a você, Paul, obrigada. Let it Be, Two of Us e The fool on the Hill jamais sairão da minha playlist.