Se vc está lendo esse texto é porque se identificou com o título e, se se identificou, é porque tbm não passa de um assalariado. Portanto, sem aquele papo de coxinhização da nossa amada Classe Média, ou seja, NÓS - por supuesto e nada por acaso, primeira pessoa do plural.
Primeira, tudo que esta classe gostaria de ser. Plural, tudo que ela detesta. Freud explica: primeiro, de primeiro mundo, principal, potência, etc. Plural, de povão, multidão, grupo, romaria e o que mais a língua portuguesa permitir. E seu bom entendimento também.
Eu, que já nasci classe média, desconheço alguma coisa que possuo hoje sem que eu tenha lutado para. Nunca passei fome, claro. Comida na mesa, educação na escola e eu tinha o básico. O resto, fui atrás. Inclusive de sair de casa e me bancar sozinha. Por que todo este prólogo? Porque, colega, eu tenho ÓDIO e inveja da nossa querida elite. Que ciclo após ciclo cria gerações que serão ainda mais milionárias e igualmente insuportáveis. Que vai pra Paulista gritar contra a corrupção, mas sonega impostos. Eu tenho nojo e ódio disso. A inveja é só da grana mesmo.
Por que, né? Fulana (o) que aos 25 anos sabe falar fluentemente alemão, já que a vida toda papai e mamãe bancaram tudo. Inclusive, o aluguel. De qualquer lugar, desde um flat na Avenida Paulista a uma suíte em Paris. Pessoa nunca pegou ônibus na vida, nunca andou a pé até parar no meio-fio porque os sapatos vagabundos fizeram um rasgão no seu calcanhar. Nunca precisou arrumar um emprego de hostess pra pagar a faculdade ou fazer bicos de modelo pra pagar um mísero curso de inglês que, aos 20, ela fala com os pés nas costas. Nunca precisou contar os quilômetros que anda pra perder 500 calorias porque, afinal, ela faz yoga na melhor e mais cara academia da cidade (onde essa espécie se aglomera e se reproduz). Ou, simplesmente, vai à Los Angeles entrar na faca com Dr. Hollywood. Não sabe, enfim, o que é ter de escolher entre pagar uma conta e outra. Papai paga tudo, põe no cash, garçom!
Entendam que meu rancor não é com o fato de ela ser bem-nascida, que culpa tem, né? É melhor até que pegar o Porshe do papai e sair da balada sertaneja bêbada e pronta para atropelar um inocente, como tem sido bem comum em São Paulo nos últimos meses. Porque por mais legítimo e honesto que seja a origem da grana do papy, eu detesto que isso seja num país onde um garoto passa mal na rua porque está há 2 dias sem comer. Onde homens são convertidos em mendigos desde que lembram. Onde a miséria é um fantasma. Desculpa se isso pra vc é normal.
Pelo caminho mais cômodo, pode chamar de preconceito ou de ódio gratuito. Pelo caminho mais controverso, pode chamar de injusto. “Faz parte da realidade capitalista, de castas, de desigualdades”. É, faz parte que toda essa riqueza seja tão cruelmente distribuída mesmo.
Eu nunca quis ser rica e ganhar milhões de dinheiros. Eu só quero ser digna e, se eu quiser falar inglês, alemão ou francês, que isso não me custe os olhos da cara. Se eu quiser ter uma graduação ou pós, que eu não precise vender um rim. Será que tô sendo ingênua? Será que é pedir muito?
Hoje fui para uma entrevista de emprego no Shopping Cidade Jardim. Depois de uma viagem homérica pra chegar ao recinto, notei que NÃO HÁ entrada para pedestres no shopping. Tipo, não há mesmo. Só entram funcionários (pela porta dos fundos) ou quem tem carro. Na boa? Um dia vou entrar naquela pocilga com um Fusca caindo os pedaços. Quero ver se me barram. É estarrecedor, sério.
Aí vc entra no Shopping, um mundo maravilhoso se abre diante dos seus olhos. Cidade Jardim, do aramaico: “Jardins Suspensos da Babilônia de Nabucodonosor.” Tudo incrivelmente limpo e pasteurizado. Não, higienizado, melhor dizendo. Prevenidos dos Dálits lá fora, que só podem entrar se um dia tiverem um carro de luxo, ou seja, NUNCA.
Aí fui passeando e vi um casal sentado na mesa de um restaurante em cuja imensa janela de vidro dava pra ver todo o bucolismo de uma São Paulo chuvosa, ô Terra da Garoa, poético quase. Enquanto o trânsito e o caos comiam soltos no mundo real. Uma catarse utópica pra vc criar seu limbo perfeito e fingir ser Maria Schneider e Marlon Brando em O Último Tango em Paris.
E logo eu, que adoro fugas e evasões de todos os tipos, faço coro com Gil quando ele diz: “vamos fugir deste lugar, Baby!”. Vamos fugir daquela fuga, daquela Babilônia luxuosa e asséptica, seca de emoções, viva de sonhos fabricados e empacotados numa caixinha de Natal.
Divaguei bastante só pra dizer que eu sou Classe Média e tenho sim, minhas ambições e pretensões, mas ao contrário dos coxinhas que representam o grupo, meus anseios não excluem o direito de qualquer cidadão de comer e bem vestir. De dividir o mesmo pão, a mesma casta que eu.
Ingenuidade? Pode ser. Eu só queria que o mundo fosse rico, mas fosse NOSSO, de nós. Primeira pessoa do plural.