quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A SAGA NORDESTINA




‘Prepare o seu coração para as coisas que eu vou contar. 
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão... 
E posso não lhe agradar...’ 

Eu relutei em escrever algo assim... ‘a-velha-saga-da-pobre-nordestina’. Tão roteiro rede Globo, tão exaustivamente clichê. Mas te falar que não há muito como fugir do óbvio. Nordestino ‘forte, batalhador, sofredor’ é um pleonasmo redundantemente delicioso de constatar, perdoe-me o resto do país.

São Paulo sempre foi uma promessa distante. Um mundo de Oz dentro da minha Kansas, Maceió. Eu queria ir desde sempre, mas a vida impedia. De lá e cá, com todos aqueles obstáculos que faz vc pensar se ainda deve. 

Entrei na faculdade de jornalismo achando que ia mudar o mundo e essas coisas tolas que vc acha aos 20. E depois vc aprende que mudar o mundo fica em segundo plano, o importante é tirar boas notas e nem isso é garantia de nada. Antes mesmo da formatura, são os vagabundos que ocupam os melhores postos. Os malandros, os Zé Carioca das arenas do capitalismo selvagem. 

E eu nunca tive nada a ver com isso. É estranho nascer em um lugar e não se sentir parte dele. 

Daí a Paulicéia me recebeu de braços abertos e dentes cerrados. Morde e assopra. Eu estava com R$700 no bolso e um plano: Se arrumasse emprego, ficaria. Senão, voltaria. E assim começa a odisséia. Primeiro como vendedora em Osasco, a 1 hora da minha casa, puta viagem. Mas os paulistanos diziam que eu tava no lucro. Enfim, eu precisava pagar o aluguel. Saía antes do almoço, chegava em casa meia-noite. Quando chegava, ainda mandava currículo para as vagas de jornalismo, mesmo muito cansada. Foram longos meses até conseguir um emprego na minha área. 

E aí passei por tudo. De me perder na cidade grande sem ter dinheiro pra voltar pra casa e morrer de chorar no meio fio. De receber proposta para me prostituir. De não ter nada na geladeira dias inteiros. De gente me passando para trás.

Não era possível aquela cruz ser tão pesada assim. Porque eu podia e queria carregá-la, até virar mártir. Pensei em voltar pra casa um milhão de vezes, mas é difícil admitir uma derrota. Feito azia de covardia, como se vc engolisse o próprio vômito. Fui ficando azeda, endurecendo aos poucos. Transformando toda aquela ingenuidade de menina do interior em agressividade, em falsa polidez de defesa veterana. É assim que sobrevive na Terra da Garoa. 'Viver é melhor que sonhar', diria Belchior.

São Paulo foi como aquele pai severo que bate pra te educar e diz: "É pro teu bem". E vc aprende a andar sozinha, apanha pra crescer. E a verdade é que fui abençoada: São Paulo até hoje me oferece o inédito, a novidade dos neons, de todo aquele esplendor de cidade que não pára. A primeira vez que vi granizo. A primeira vez que peguei metrô. A primeira vez que comi açaí, fruta do conde, maracujá doce, melona. A primeira vez que chorei no meio fio. A primeira vez que vi negociação de putas na porta da minha casa. A primeira vez que puxei erva. O primeiro time do coração. A primeira vez que fui a um motel. A primeira vez em um Pub. A primeira vez andando de trem. A primeira vez que fazia algo pela primeira vez.

Aqui eu era a mulher que eu sempre quis ser. São Paulo é a cidade das grandes conquistas, das grandes impossibilidades, dos grandes amores. Dos grandes nomes. Das grandes tristezas e incontáveis alegrias. 
É a Terra dos imigrantes. Do Japão, da Itália, do Nordeste. E, em que pese os casos de xenofobia, homofobia, conservadorismo, São Paulo é lindamente cosmopolita, universal, democrata. Traz no cerne a história sofrida de povos que estão longe de sua pátria. Conta uma época que os recebeu com terra e promessas. São Paulo é nossa terra-mãe, nossa doce Israel - a terra que jorra leite e mel.

Obrigada por tudo, Paulicéia!



‘Você me pergunta

Pela minha paixão

Digo que estou encantada

Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração...


(Belchior – Como Nossos Pais)


‘Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei...’


(Geraldo Vandré - Disparada)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Paul McCartney - eu não fui

Paul McCartney. Com ele, vivo um tórrido caso de amor, desde que ele me roubou de John Lennon, com quem eu tentava manter uma relação monogâmica e feliz. Entendam, John era um prato cheio pra qualquer mulher, com aquele ar meio blasé de rebelde sem causa e seus olhinhos puxados e míopes – embora ele insistisse em andar sem óculos e tivesse, por isso, que apertar os olhos como quem seduz todas ao redor. Ah, John. Você jogou sujo pra me seduzir. Começou com All I’ve Got to Do, e eu não consigo deixar de achar essa música incrivelmente sexy, passou por She Loves You, In My Life, Nowhere Man, Across the Universe e You’ve Got to Hide Your Love Away. Estas foram apenas algumas das cantadas que o malandro usou comigo. E todas funcionaram incrivelmente bem. Claro que ele precisava de um arremate, que foi Girl. Enferma, fui acometida pela síndrome do repeat. Não podia haver nada mais sedutor que a voz de Lennon cantando ‘ah girl, girl...’. Não é? Assim eu pensava.

Então Sir Paul, meio ciumento, não deixou por menos e veio atrapalhar meu momento monogâmico que não durou muito, por sinal. Não me acusem de vira-casaca. O que vocês querem? Paul era o beatle romântico, o mais assediado pelas garotas, o dono de uma voz agressiva e doce nas mesmas proporções... E ele me veio com All My Loving. Eu simplesmente não tive escapatória: ‘close your eyes and I’ll kiss you, tomorrow I’ll miss you…’. E este bendito gentleman me fez o favor de apelar, sedutor em Michelle, romântico em Here There and Everywhere, profundo em Let it Be, visceral em Yesterday e como cartada final, ebriamente apaixonado em Oh! Darling. O que pode uma pobre mortal fã dos Beatles fazer senão declarar a própria sentença de acorrentada? Oh Darling me fez querer encher a cara, berrando a plenos pulmões, escrava daquele baixista miserável e lindo.

Meu dilema enquanto fã de Beatles é eleger um favorito. Amo John, amo Paul, amo George, amo Ringo. John e sua rebeldia meio tarada (nos últimos discos). Paul Ramon e seu romantismo tão popular e doce. George e suas canções que sempre me desestabilizaram porque eram simplesmente geniais (sem falar que o George era um gato). Ringo e sua intimidade com a bateria – que outra pessoa poderia mudar o jeito de segurar as baquetas enquanto sorria e balançava a cabeça? Fora que eu adoro Octopus’s Garden e Photograph. Pronto, falei. Sou polígama, prendam-me. Mas a culpa não é minha.

Só posso imaginar o que sentiram os beatlemaníacos mais antigos, que viveram aquela era de sexo, drogas, rock’n’roll e liberdade criativa, ao assistir a um show de Sir James Paul McCartney e vê-lo ali, uma lenda viva, um dos responsáveis pela mudança da mentalidade da juventude sessentista e das gerações que vieram após. Gostar de Beatles, sendo jovem, é pedir pra sofrer. Lembrar das circunstâncias tão amargas que permearam a dissolução da banda; da pressão que houve por uma reunião em nome dos velhos tempos; da morte prematura e violenta de John Lennon; da derrota para o câncer de George; do fato de que eis uma boa banda que jamais poderá reunir-se outra vez... É tudo triste, nostálgico e definitivo.

Mas dois ainda restam. E na ativa, resistindo bravamente aos anos. Há quem diga que Paul e Ringo já deram o que tinham que dar, eu discordo. Sobretudo quando penso na multidão que foi ao Morumbi aos prantos para ver o ídolo de perto. Paul ainda tem muitas lágrimas a arrancar, fãs de gerações passadas, atuais e futuras, música a compor. Sim, música a compor – alguém já escutou This Never Happened Before, que Paul lançou em 2005? Ainda sai coelho desse mato, e eu espero que muitos.

Infelizmente, acompanhei Paul somente pela TV, abraçada ao meu bichano Paul McCartney – que é? Meu vizinho tinha um gato chamado John Lennon, ok? Essa vida de estudante dependente dos pais é triste quando refreia nossos impulsos e vontades loucas. Faltaram-me recursos, mas não vontade. E não deixei de me arrepiar com a hora convenientemente editada pela Globo de McCartney, Beatles, Wings. Eu me senti parte daquela multidão. Milhões de pessoas choraram o que eu teria chorado se lá estivesse. Obrigada, pessoal. Vocês foram porta-vozes de muitas pessoas que, como eu, desejaram com toda a alma estar lá.

E quanto a você, Paul, obrigada. Let it Be, Two of Us e The fool on the Hill jamais sairão da minha playlist.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

CORÍNTHIANS X CRUZEIRO

Não, não é uma crítica, uma análise ou qualquer coisa que o valha. Não sou perita em futebol, não me arrisco a falar sobre o que mal sei. É um diário, leia-se. Eu já contei como virei Corintiana. Mas é praticamente impossível adotar um time e cuspir fora todos os clubes. Não, vem tudo junto. Pague um, leve mil e tenha um infarte de brinde.

Vasculhamos canais, nada de jogo em TV aberta. Saímos à procura de um bar. No caminho, ouvimos o primeiro tempo quase inteiro pelo rádio. Marinheira de primeiríssima viagem, eu nunca havia escutado futebol pelo rádio. Sou cardíaca, o Ministério da Saúde, desde então, advertiu: não repita a façanha, Isadora.

Antes mesmo de terminar o 1° tempo, achamos um bar que estava transmitindo o jogo. Parecia muito com a partida contra o Palmeiras no Pacaembu. Muitas faltas, muita tensão. Mas diferente daquele domingo, Corínthians ia bem mal em relação aos adversários Cruzeirenses. Nossa estrelinha Bruno César, mal tocou na bola, deixando Dentinho e Ronaldo sozinhos no limbo, digo, no campo. Elias ainda assustou no primeiro tempo e Chicão errava passes por segundo. Júlio César, pra variar, foi o (único) salvador da pátria.

Aí surge a primeira polêmica: Thiago Ribeiro avança na pequena área, tenta driblar Júlio César. Sem sucesso, se JOGA pedindo pênalti. Até aí tudo bem, todo mundo há de ter um Rojas dentro de si, como manda o bom figurino. Problema foi o árbitro não ter macado nada e ainda aplicar cartão amarelo à Ribeiro. Dramático. Os mineiros começam a chiar.

Do outro lado, Montillo aparece com ótima movimentação, contribuindo para a ótima marcação do Cruzeiro. Corínthias só reagiu no 2° tempo. Bruno César, que já não estava fazendo nada mesmo, foi trocado por Jorge Henrique. A torcida alvinegra vibra. Até no bar. Então Júlio César mostra a que veio. Aos 33 do segundo tempo, Wellington Paulista recebe a bola de Fabricio e chuta na cara do gol. O goleiro alvinegro faz umas das mais belas defesas que eu já vi até hoje.

Então aparece a segunda e definitiva polêmica: aos 41 do segundo tempo, eu já estava conformada com um empate. O cruzeirense Gil divide a bola no alto com Ronaldo e o árbitro marca pênalti. Eu, leiga da Silva Santos, perguntava toda hora aos amigos presentes: ‘Por que fulano tá impedido?’; ‘Por que ele tá parado com a bola?’; ‘Por que tá disputando a bola com o ombro?’; ‘Por que isso, por que aquilo?’. Sim, eu era daquelas crianças que perguntava o porquê de tudo e um dia sonhou em se tornar jornalista. Finalmente perguntei: ‘O que caracteriza um pênalti?’. Resposta: uma falta na pequena área.

Se imagem vale mais que mil palavras...

Eu aprendi a amar meu time, como aprenderia a amar um namoradinho. Mas não aprendi a amar minha profissão. Já nasci com ela, é parte de mim. Não quero ficar em cima do muro ao mesmo tempo que acho irresponsável tomar uma postura apaixonada. Mas honestamente, achei discutível. Pareceu falta sim, mas não tão grave a ponto de pênalti. Não sei, que falem os sabidos da Rua do Bobos, Número 0. Ficar histérico por causa de futebol é de-ca-den-te, te falar. Não é como quebrar o pau por causa de política, já falei disso e já estou sendo prolixa.
O que eu sei é que o Corínthians também teve dois gols marcado por Ronaldo Gordo no jogo contra o Guarani anulados. DOIS gols. É muita coisa, colega. O que eu sei também é que o Fluminense saiu da série C para a série A, assim, do nada. E este é o nosso futebol. Não sei exatamente o que isso significa, mas se quer acusar o Timão ou qualquer outro time de fraude e afins, que se prove.

Deixei o oba-oba pra outro dia ou pra fazer em silêncio. Porque parecia funeral. O clima na Rádio Transamérica, que ouvi na volta pra casa, era de revolta, desespero, acusações à torto e a direito. É claro mané, se vc é Palmeirense, São Paulino, Cruzeirense e o-diabo-a-quatro, não leia este texto pra não morrer de sífilis. Eu sei que parece uma justificativa demasiada corintiana, mas a impressão que tenho, é que o mundo tem sempre uma carta na manga contra a gente. Estão todos só esperando, fardados, que o Corínthians morra para poder carregar o caixão e escrever nossa autópsia. O mesmo não se aplica aos outros. Sóoo ao Corínthians. Faz favor, morra no Ganges e não ressuscite. É só um jogo, um campeonato. Ninguém vai morrer de fome independente do resultado. Chororô mais irritante esse. Coisa de bichinha, viu? Fica a dica. 

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Sob a bandeira auriverde



Em agosto desse ano, estive na Alemanha, junto a meu grupo coral. Únicos representantes do Brasil e das Américas, nós competimos num festival internacional de coros e, na categoria folk music, voltamos para casa com o segundo lugar. O interessante é que nenhum dos coros europeus nos acusou de roubar o prêmio ou de ‘não sermos gente’ por nossa nacionalidade. Pelo contrário. Por onde passamos, fomos recebidos da melhor forma possível, e, segundo eles mesmos, deixamos uma marca – uma força e alegria que eles admiram e gostariam de espelhar. Voltamos ao Brasil com o ego mais que massageado e o orgulho de ser brasileiro nas alturas.

Mas, de regresso, o clima que encontramos foi completamente outro. A pátria-mãe já não era mais o lar de brasileiros e embriagados pelo ufanismo sazonal que se dá em todo ano de Copa do Mundo. Embora unidos sob a mesma bandeira, língua, leis e responsabilidade social de eleger os governantes, estamos longe de ser o povo unido que os alemães de Gelnhausen conheceram.

Não há outra palavra para definir o pleito de 2010 que não ‘tensão’. E não apenas entre os candidatos, que mais trocaram ofensas que apresentaram propostas. O clima bélico se estendeu ao próprio povo, ou a uma parcela do povo. Ao que parece, o resto do país – o resto ‘desenvolvido’ do país, diga-se de passagem, e não querendo generalizar. Quero acreditar que os que difundem essa ideia sejam a minoria definitiva – resolveu responsabilizar os nordestinos por toda a mazela que assola o Brasil.

Queridos povos separatistas da nação, desuni-vos. Eu, nordestina, integrante dessa ‘raça’ que foi classificada como analfabeta, cabeça-chata ou outros dos adjetivos carinhosos que nos amam atribuir, vou lembrar-lhes de certos fatos que estou CERTA de que vocês aprenderam na escola. A miséria existe no Brasil desde sempre, ou desde a gênese da história da nação tupiniquim – quando não existiam Nordeste ou Sudeste que nos polarizassem. Somos todos filhos-da-puta, e não estou xingando ninguém. Descendemos de portugueses, ou, sendo mais específica, do proletariado português e das prostitutas que a Coroa enviou para colonizar a nova terra.

Desigualdade social é um mal de toda e qualquer nação construída sob os ditames do capitalismo. Não, esse texto não é nenhum manifesto comunista – apenas um apanhado de fatos que nossos amigos do Sudeste pareceram esquecer. Onde há desigualdade social, meus caros, há fluxo migratório. Ou vocês, descendentes orgulhosos dos italianos, acham que seus antepassados vieram ao Brasil aproveitar o clima tropical? Voltem à escola e estudem história. (Parêntese: também estive na Itália este ano. E, apesar de todo esse papo de berço da civilização ocidental, eu não me orgulharia de descender de um povo tão rude. Fecho parêntese).

Como – e eu repito, como? – disseminar idéias separatistas num país heterogêneo como o Brasil? Não há como enquadrar o brasileiro numa etnia porque somos uma mistura. O Brasil não tem cara, e talvez seja essa a beleza dessa nação de ninguém. Preciso recordar onde o país foi ‘descoberto’, qual foi sua primeira capital e a partir de onde a população começou a se expandir? No fracassado sistema de capitanias, preciso lembrar-lhes de qual capitania, junto à de São Vicente, atual Estado de São Paulo, foi a mais próspera? Preciso lembrar-lhes de QUEM construiu a cidade mais próspera do país depois de todo o estupro das classes mais abastadas minar a riqueza de uma região que tem TUDO – exceto a consideração dos poderosos – para mover a economia do país, tanto quanto o Sudeste? Será que o Estado de São Paulo seria tão próspero sem a mão de obra dos burros de carga aqui? Será que a responsabilidade inteira por girar as molas da economia do Brasil pertence a vocês, apenas?

Isso porque não falei no número de sulistas e sudestinos que estabelecem residência por aqui. E também ‘roubam’ nossos empregos, sujam nossas praias e nós, o que fazemos? Sorrimos e damos as boas-vindas. É um belo toma-lá-dá-cá, não acham?

As mesmas pessoas que nos condenam e que nos chamam de escória ficam indignadas quando um brasileiro é criminalizado no exterior pelo fato de ser latino. Sintam na pele, brasileiros. Não é à toa que nordestino e latino terminam com o mesmo sufixo.

Graças ao bom senso, e à premissa de que ‘toda unanimidade é burra’, a animalização do nordestino não é um consenso. Nessas horas eu até chego a concordar com essas idéias fascistas de separação. Tenho absoluta certeza de que esse país chamado Nordeste mostraria, com louvor, o que é ser próspero de verdade.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

VAI, CORINTHIANS!

Meu pai me levou pela primeira vez ao estádio quando eu tinha uns 5 anos. Desde  então...’. Todo mundo tem uma historinha assim para contar sobre seu time. Eu não. Meu pai não fez parte da minha infância, tampouco era fã de futebol. O coroa sempre foi um poeta-jornalista-músico blasé, perdido nalgum lugar dos anos 70. Na verdade, ele odeia futebol. Minha mãe tinha uma queda pelo Corinthians. Mas vc sabe, quedas não influenciam criança alguma. Então eu não era nada no Mundo Encantado dos Esportes.

Menininha corinthiana e seu papai. Ah, sonho dourado...

Sentia uma certa apatia por futebol e não entendia como que 90% dos nordestinos eram flamenguistas. Reza a lenda que a torcida do Flamengo cresceu no Nordeste depois de uma jogada política a la Pão & Circo. Aliás, se alguém souber mais sobre o assunto, favor, manifeste-se. Sorte não ter eu também virado flamenguista. Ou bom gosto, destino, intuição, enfim, nomeações a gosto do freguês. E quando retrucam que Flamengo no Rio = Corinthians em SP, respondo que malandro é malandro, mané é mané, se é que vcs me entendem.


Divago. Voltemos à Terra.


Bom, eu só torcia de 4 em 4 anos pelo Brasil. Burguesinha oportunista fdp, pofalá. Só gostava de Voley. Até que um dia decidi que o esporte era elitizado demais pro meu jeitin assim... tão povão. Aí voltei a ser nada no Mundo Encantado dos Esportes.

Então belo dia vim parar em São Paulo (vou poupá-los desta saga-clichê-de-imigrante nordestina). Mas bem, como se sabe, metade da Paulicéia é Alvinegra. Estava cercada por amigos corinthianos - E sempre me apaixonava por Palmeirenes. Ó, ironia. Mas veja bem, na época ainda era cão sem pátria. Então tanto faziam as paixonites. 

Divago de novo, vamos aos fatos. Não lembro bem o dia, em Janeiro de 2009 fui acompanhar um casal de amigos em um jogo do Corinthians no Pacaembu. Até então, só havia entrado em estádios alagoanos e como repórter. Nada a declarar.


Lá estava a ovelha sem pastor no meio de um rebanho apaixonado. Cabreira, tímida, num recorrente "o que eu tô fazendo aqui?". Era Corinthians X Fluminense. Estava do lado da Gaviões. Jogo começa, ânimos acirrados, gritarias, batuques, hinos, odes, tensão. Passa bandeira, palavrões, paixão. E o gol, momento em comum, onde todo o rebanho se (re) conhece. No fim do jogo, eu já tava xingando o juiz de filho da puta. Foi assim que eu me apaixonei. Mais que isso: me identifiquei. Achei meu lugar ao sol. Podia ser qualquer time, confesso. Mas foi o Corinthians maloqueiro, sofredor, graças a Deus.

Não fui aos jogos quando menina. Daí hoje levo meus meninos

No fundo acho que não teria sido de nenhum outro time. Bom, vc tem todo o direito de achar seu pai o mais foda, seu colchão o mais confortável, sua namorada a mais amável. Permita-me esta mesma licença poética para achar sim, meu time o melhor do mundo. Com todas as falhas técnicas e estruturais que eu sei que ele tem. Isso é amor. Apesar de. Permita-me a mesma licença dos apaixonados que arriscam o "para sempre": eu arrisco o "amor  à primeira vista", c'est la vie.

Como em todo bom relacionamento, passei a conhecer o Corinthians, além de amá-lo. Continuo entendendo lhufas de futebol, mas hoje posso dizer que sou tão torcedora quanto aquela menininha da foto será um dia, aos olhos orgulhosos do papai. Posso dizer sem medo de ser feliz, que amo tanto meu time quanto vc ama o seu desde os 7 anos. 

Abro parêntese: Isso de achar que quem vem depois não merece respeito é o mesmo que dizer que seu irmão caçula não merece o amor da sua mãe porque, ora, vc veio primeiro, ele depois. Bullshit! Sejam sensatos. Fecho parêntese.


Hoje mal consigo crer que passei tanto tempo da vida apática a tudo isso. Nasci de novo, por assim dizer. E olha, recomendo fortemente. Onde quer que seja, em que time for. Torça. Tenha ídolos, paixões, vísceras. E tenha filhos para levar ao estádio, se seu clube tem um, rs.
#VaiCorinthians

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2: A Vida Como Ela É

Em cinema, sequências são aperitivos. A platéia, geralmente, tem uma vaga idéia sobre o que vai encontrar. Não é o caso de Tropa de Elite 2, que pouco lembra a violência-motim e os jargões da película anterior. Ao arriscar na história do capitão Roberto Nascimento (Wagner Moura), José Padilha quebra um tabu do cinema brasileiro: pela primeira vez, um filme sobre violência social é narrado do ponto de vista dos policiais. Bandido agora é bandido e não mocinho, como se vê no excelente documentário ‘Ônibus 174’ do mesmo Padilha e ‘Cidade de Deus’, de Fernando Meirelles.

A grande sacada do diretor, desde o início, é fazer de seu anti-herói o narrador-personagem da trama - criando uma empatia quase imediata com o público. Outro grande mérito, típico das direções de Padilha, é trazer à tona, debates de interesse público. E violência, sempre. É amigo, se tá a fim de love story, vá assistir Titanic.

No início de Tropa de Elite 2, trava-se uma pseudo batalha entre as ideologias de esquerda e o que se chama de ‘direita’. Ambas representadas nas figuras do deputado estadual Fraga (Irandhir Santos) e do Capitão Nascimento, respectivamente. Pseudo porque o embate não fica claro e pseudo também porque, a certa altura, as ideologias se tocam. Mais que isso: se complementam, como deveria ser. A suposta e, talvez, necessária truculência de Nascimento num duelo pertinente com os Direitos Humanos defendidos por Fraga gera consequências lucrativas (por que não dizer assim?) para as duas vertentes. E-xa-ta-men-te como deveria ser.

Se antes o foco era a polícia corrupta e o tráfico de drogas, o percalço - que Nascimento se refere como ‘O Sistema’ - se mostra muito mais poderoso. Agora Coronel, separado da mulher (Maria Ribeiro) e distanciado do filho (Pedro Van-Held), nosso anti-herói ressurge como Secretário de Segurança de um Estado falido nas promessas de bem-estar público e provedor de uma reação em cadeia: a corrupção.

Não há referências bibliográficas, mas ali nos assombra o insistente fantasma da ‘vida como ela é’. Padilha não arrisca nomes, mas é possível citar dezenas de casos semelhantes na política e na imprensa nacional, não é, PC Farias e Tim Lopes? Uma política e polícia formadas por abutres, uma imprensa que age como cortina de fumaça e uma classe média vítima e algoz desse sistema.

O diretor empresta, com esperteza e generosidade, os olhos de seu Nascimento ao público. Com ele, a gente se indigna e se enoja diante de tanta inescrupulosidade. A gente se sente só. Se antes o capitão ainda oscilava na pele de vilão, nesta versão ele surge imbuído de uma integridade e honestidade dilacerantes, contagiantes.

Saí do cinema com a estranha sensação de que eu, convertida em povo e imprensa, não sei de NADA, colega. Da missa o terço. Eu vim de um estado onde é comum matar por rivalidades políticas. Crimes de mando, pistolagem e queima de arquivo. Um disse que disse, e a corja sai impune, aclamada por um povo que não sabe o quanto vale o próprio voto. Na Paulicéia não é lá muito diferente.

Entrei no cinema com a mesma vontade de quando entrei na faculdade de jornalismo: mudar o mundo. Mas ao contrário de Nascimento, levantei da cadeira sem nenhuma esperança. 

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O samba do crioulo doido

Povos revoltados da pátria amada Brasil, não há como esperar mudança, e sinto muito aos que me declaram pessimista – meus poucos anos na Terra já me garantiram um senso de realismo lamentável.

A cada dois anos, nos declaram amor eterno. Andam conosco, nos abraçam, nos fazem promessas (claro que depois eles tomam um banho de duas horas em seu luxuosíssimo ofurô). Até que num domingo ensolarado – e enfatizo este ensolarado, ao menos na minha abençoada Alagoas – vamos até a urna, digitamos os números que – esperamos – vão mudar a nossa vida e apertamos a teclinha verde.

Ainda temos algumas horas de benquerer. Carreatas, abraços, polegares erguidos e acenos animados da varanda de alguma cobertura na Ponta Verde. Alguns vão até a TV, emocionados, agradecem a confiança depositada e prometem, mais uma vez, fazer jus ao tão precioso voto. E fim. Finda então o prazo de validade deste dito ‘amor incondicional’.

A pergunta que não me abandona é: por que raios insistimos no erro, se passam-se anos e mandatos e a estagnação continua? O que impele este povo pobre, necessitado e faminto a abraçá-los como se eles fossem a real solução dos nossos problemas? Ou pior... O que nos leva a votá-los? Eles são a mesmice. Eles nos enganam. Eles fatiam nosso Estado a olhos vistos, cada qual com seu cada qual, buscando o maior pedaço de bolo. Seus nomes aparecem envolvidos em escândalos, denúncias e nós novamente lhes entregamos o poder, com louvor, distinção e destaque.

Talvez a real mazela seja o conformismo em ter que escolher entre ‘sujo’ e ‘mal lavado’. ‘Rouba, mas faz’ – é nesta adjetivação que buscamos nosso candidato. O que nosso povo precisa entender, com uma urgência descomunal, é que uma reforma de orla não significa nem resume um bom governo. Todos os dias, eu sou submetida – ou bombardeada – por atestados de que nada está bem e que é muito difícil a possibilidade de um dia melhorar.

Transporte público – eles são mais latas de sardinha e máquinas de intimidade forçada que ônibus. Universidade Federal – as Ciências Humanas há muito não sabem o que são recursos ou investimentos. Segurança – as notícias de homicídios, roubos e tráfico, de tão freqüentes, já são banais. Saúde. Infra-estrutura. Distribuição de renda. E estou sendo generosa.

Mas não quero fugir muito da pauta. A questão ainda é a insatisfação. Sim, vivemos uma democracia, onde a vontade do povo prevalece, mas o que há de se fazer quando a porção majoritária da população é ingênua, influenciável ou – perdoem-me a franqueza – analfabeta política? Nós – e não quero parecer pretensiosa ao me incluir neste grupo – que temos algum esclarecimento (e não é preciso tanto para enxergar a acidez da nossa presente realidade) acabamos sofrendo com as escolhas da parcela cega das decisões. E aí surge o ciclo vicioso: o Governo nos mantém na ignorância para nos enganar, sazonalmente, e assim elegemos nossos próprios algozes.

Solução? Quanto mais reflito, não encontro o gatilho da reação em cadeia. Talvez o jeito seja alugar o Brasil... Ou explodir tudo. Mas as idéias subversivas, eu guardo pra mim.