quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Sob a bandeira auriverde



Em agosto desse ano, estive na Alemanha, junto a meu grupo coral. Únicos representantes do Brasil e das Américas, nós competimos num festival internacional de coros e, na categoria folk music, voltamos para casa com o segundo lugar. O interessante é que nenhum dos coros europeus nos acusou de roubar o prêmio ou de ‘não sermos gente’ por nossa nacionalidade. Pelo contrário. Por onde passamos, fomos recebidos da melhor forma possível, e, segundo eles mesmos, deixamos uma marca – uma força e alegria que eles admiram e gostariam de espelhar. Voltamos ao Brasil com o ego mais que massageado e o orgulho de ser brasileiro nas alturas.

Mas, de regresso, o clima que encontramos foi completamente outro. A pátria-mãe já não era mais o lar de brasileiros e embriagados pelo ufanismo sazonal que se dá em todo ano de Copa do Mundo. Embora unidos sob a mesma bandeira, língua, leis e responsabilidade social de eleger os governantes, estamos longe de ser o povo unido que os alemães de Gelnhausen conheceram.

Não há outra palavra para definir o pleito de 2010 que não ‘tensão’. E não apenas entre os candidatos, que mais trocaram ofensas que apresentaram propostas. O clima bélico se estendeu ao próprio povo, ou a uma parcela do povo. Ao que parece, o resto do país – o resto ‘desenvolvido’ do país, diga-se de passagem, e não querendo generalizar. Quero acreditar que os que difundem essa ideia sejam a minoria definitiva – resolveu responsabilizar os nordestinos por toda a mazela que assola o Brasil.

Queridos povos separatistas da nação, desuni-vos. Eu, nordestina, integrante dessa ‘raça’ que foi classificada como analfabeta, cabeça-chata ou outros dos adjetivos carinhosos que nos amam atribuir, vou lembrar-lhes de certos fatos que estou CERTA de que vocês aprenderam na escola. A miséria existe no Brasil desde sempre, ou desde a gênese da história da nação tupiniquim – quando não existiam Nordeste ou Sudeste que nos polarizassem. Somos todos filhos-da-puta, e não estou xingando ninguém. Descendemos de portugueses, ou, sendo mais específica, do proletariado português e das prostitutas que a Coroa enviou para colonizar a nova terra.

Desigualdade social é um mal de toda e qualquer nação construída sob os ditames do capitalismo. Não, esse texto não é nenhum manifesto comunista – apenas um apanhado de fatos que nossos amigos do Sudeste pareceram esquecer. Onde há desigualdade social, meus caros, há fluxo migratório. Ou vocês, descendentes orgulhosos dos italianos, acham que seus antepassados vieram ao Brasil aproveitar o clima tropical? Voltem à escola e estudem história. (Parêntese: também estive na Itália este ano. E, apesar de todo esse papo de berço da civilização ocidental, eu não me orgulharia de descender de um povo tão rude. Fecho parêntese).

Como – e eu repito, como? – disseminar idéias separatistas num país heterogêneo como o Brasil? Não há como enquadrar o brasileiro numa etnia porque somos uma mistura. O Brasil não tem cara, e talvez seja essa a beleza dessa nação de ninguém. Preciso recordar onde o país foi ‘descoberto’, qual foi sua primeira capital e a partir de onde a população começou a se expandir? No fracassado sistema de capitanias, preciso lembrar-lhes de qual capitania, junto à de São Vicente, atual Estado de São Paulo, foi a mais próspera? Preciso lembrar-lhes de QUEM construiu a cidade mais próspera do país depois de todo o estupro das classes mais abastadas minar a riqueza de uma região que tem TUDO – exceto a consideração dos poderosos – para mover a economia do país, tanto quanto o Sudeste? Será que o Estado de São Paulo seria tão próspero sem a mão de obra dos burros de carga aqui? Será que a responsabilidade inteira por girar as molas da economia do Brasil pertence a vocês, apenas?

Isso porque não falei no número de sulistas e sudestinos que estabelecem residência por aqui. E também ‘roubam’ nossos empregos, sujam nossas praias e nós, o que fazemos? Sorrimos e damos as boas-vindas. É um belo toma-lá-dá-cá, não acham?

As mesmas pessoas que nos condenam e que nos chamam de escória ficam indignadas quando um brasileiro é criminalizado no exterior pelo fato de ser latino. Sintam na pele, brasileiros. Não é à toa que nordestino e latino terminam com o mesmo sufixo.

Graças ao bom senso, e à premissa de que ‘toda unanimidade é burra’, a animalização do nordestino não é um consenso. Nessas horas eu até chego a concordar com essas idéias fascistas de separação. Tenho absoluta certeza de que esse país chamado Nordeste mostraria, com louvor, o que é ser próspero de verdade.

Um comentário:

Victor disse...

Também acho curioso demais esse discurso nazicaboclo meio patriotário de quem declara uma "pureza de raça" que nunca existiu nesse país e, pior, são migrantes que vieram de ainda mais longe, nos piores porões de navios carregados de peste e sífilis. Mas isso já faz tanto tempo que hoje o Brasil todo já tem a mesma catinga.