Vocês conhecem ou ouviram falar de gente que deixa de ouvir determinado artista porque “gente demais está ouvindo”? Eis uma lógica estranha, porém verdadeira – há algum tempo, venho percebendo esse torcer de nariz que tribos ditas alternativas dedicam à popularização dos artistas de que gostam. Afinal, meus caros, se alguém se arrisca a viver de música, seu objetivo não é ser ouvido? E a mídia não pode e deve ser usada como um canal de divulgação para toda forma de arte?
Para ilustrar esse comportamento, citarei um episódio ocorrido semana passada. No Altas Horas, assisti à apresentação de uma banda até então desconhecida para mim, chamada ‘Macaco’. Pelo que percebi, a maior parte da população brasileira acordada àquela hora da madrugada e sintonizada na Globo também nunca havia ouvido falar no grupo. E o som muito me agradou. Era uma mistura exótica de ritmos latinos, rumba, ska, reggae, pop, flamenco, cumbia... Uma miscelânea que no fim das contas deu muito certo sem falar no vocalista gostoso. Fiz o que toda pessoa que se agrada de um novo som – e com conexão de internet disponível – faz: googlei. Baixei canções. E, claro, fiz uma busca no twitter também, por meio das benditas hashtags, só pra dar uma checada nas opiniões dos tuiteiros da madrugada. Entre os muitos comentários, detectei alguns que, curiosamente, lamentavam a exposição da banda no programa com a seguinte assertiva: “agora vai virar modinha”.
A questão é: ‘modinha’ é o que acontece quando um artista se populariza? Todos sabemos que, mesmo que motivado por algo nobre como é a paixão pela música, o músico quer e precisa ser consumido. O que delimita o lado nocivo e o positivo disso, se temos de ser maniqueístas, é a forma pela qual esse consumo se dá, ou as motivações por trás dele (começo a ouvir um artista por que ele me agrada ou por que todo mundo está ouvindo e preciso me integrar?). Se foi da música que alguém fez um meio de vida, ramo que é bastante difícil e inseguro, aliás, claro que seu objetivo é estar presente nos mp3 e disc players e rádios, país e mundo afora. O artista quer vender seus discos. Ele quer ser visto na TV. Ele quer usufruir dos meios avançados e eficazes de divulgação de que dispomos atualmente. E é justamente por estes canais serem tão democráticos e universais que você, caro fã, teve acesso àquela banda underground que ninguém mais conhece (ou assim você pensa), indireta ou diretamente. Então dê graças!
Nada gratifica mais um músico do que ser ouvido, que pessoas saibam suas letras de cor. Por que toda essa resistência à popularização dos artistas da fatia alternativa do mundo fonográfico? Debati estas idéias com um amigo e ele sintetizou muito bem o que isso quer dizer: cultura de privilégio. As pessoas hoje vivem em busca de compor sua imagem perante o mundo a partir dos diferenciais. A moda é ser diferente, gostar de coisas diferentes, ir contra o mainstream. O que era contracultura passou a fazer parte da cultura pop em caráter integral. Gostar de artistas e escritores pouco conhecidos ou pouco fruídos passou a conferir certa aura de superioridade às pessoas. Face à ‘democratização’ e à ampliação dos acessos, prevalece o exclusivo em detrimento do inclusivo. Se posso ter algo só pra mim, por que compartilhar, não é verdade? Bullshit. Essa lógica individualista é sintoma de algo muito maior e mais danoso, que não me atreverei a tecer comentários sobre antes de entender completamente (quem andou estudando Ética comigo há de entender...).
Caso a preocupação destes fãs elitistas fosse o medo de a indústria cultural interferir nos padrões de seus artistas preferidos, bem, nada a declarar. Esse medo é justificável, palpável e bastante pertinente, diante do panorama da própria indústria cultural e suas médias de gosto. Mas a causa é simplesmente e mais uma vez questão de status quo – ele novamente! As pessoas não querem perder o diferencial de seu cartão de visitas, por mais superficial que ele seja. Eu, particularmente, gostaria que alguns dos meus artistas preferidos fossem mais conhecidos, tocassem nas rádios. Haveria mais acesso. Haveria mais shows. E haveria mais gente gostando de música boa ou, pelo menos, música muito mais duradoura que as medíocres efemeridades que a indústria fonográfica tem semeado por aí.
P.S.: hey, @aridenisson! Obrigada pela discussão que motivou o post. Espero contar com seu suporte teórico e opinativo para os vindouros!
P.S.²: brincadeiras e trocadilhos com a imagem à parte, a banda 'Macaco' é muito interessante. Os afeitos à mistureba musical, googlem, youtubem e divirtam-se!