quarta-feira, 18 de maio de 2011

PAI, PERDOA-OS!

Sabe, acho estranha essa pretensão exacerbada dos ateus. Uma pretensão muito parecida com aquela cultivada por doidos que compram seu lugarzinho no Céu e sua penitência no Apocalipse. Ou com aquele doido-mor que explode aos outros e a si mesmo em nome de um Deus. Fanáticos por fanáticos, dispenso. 


Cheios de verdades absolutas, ateus levam no cerne uma certeza que nunca tive. Sob certo aspecto, na verdade, eu os invejo. Mas relaxe um pouco, baby. Vamos sentar num bar, tomar uma, falar sobre sexo, política e futebol e aí jamais o meu Deus e o seu Darwin entrarão num duelo de facas. A minha fé e a tua intolerância não precisam ser sinônimos de ignorância.

Bom, vamos começar do começo.

Quando eu era criança acreditava em Fada dos Dentes, Duendes, Papai Noel. Mas como todo processo natural, a figura desses seres místicos desapareceu com a infância. Na adolescência, eu acreditava piamente em Deus. E tinha uma certeza tão absoluta quanto essa, que os ateus carregam como troféu. Ia para a igreja todos os dias da semana depois das missas só para me confessar. Confessava mentiras, desejos, masturbações, até não ter mais o que confessar. É este o lema da Igreja Católica Apostólica Romana: “Teu pecado é nossa locomotiva”.

Sem pecado não há missas, não há sermões, não há dinheiro, não há Deus. O meu Deus só existia para punir as tentações. Era inquisidor, impiedoso. Mais tarde eu descobri que este é o Deus das religiões. E religião é uma criação do HOMEM, não de Deus. ORA, ORA... que conveniente! Guerras santas são para justificar causas HUMANAS, não divinas. Lutar em nome de Deus? Bullshit. Deus gargalha sobre essas tolices.

Religião escraviza pela culpa, pelo medo, pelo conformismo. E no auge dos meus 17 anos, eu vivia assim, achando que tudo era um concurso Miss Madre Teresa de Calcutá. Minha piração máster foi quando o namoradinho da época me convenceu a perder a virgindade. Na verdade eu queria, mas achava que ia arder no mármore do inferno por toda a longínqua eternidade. É muito tempo, porra! Mesmo assim fui conhecer os mistérios da Távola Redonda - o que me rendeu um conflito interno desastroso. A boa notícia é que poderia ter sido pior. Eu me senti suja, imunda, discípula fervorosa de Satã. Depois disso não quis mais nunca saber do namoradinho. Pobre rapaz... tsc, tsc.

Aí um belo dia, eu me apaixonei por um ateu. TUM DUM TSSSSS!! Ironia fina. Um dos caras mais inteligentes que já conheci na vida, discutia a bíblia e nocauteava todos os meus frágeis e fantasiosos argumentos judaico-cristãos, deixando-me, fatalmente, encantada. Foi a primeira vez que eu pensei em sexo selvagem e questionei a existência de Deus. Foi a primeira vez que comecei a ser outra. Meu querido ex-namorado ateu não queria que eu largasse meu Deus. Queria, apenas, que eu questionasse até onde deveria acreditar. “Homem andando sobre as águas? Separando o mar com um aceno? Multiplicando pães e peixes? Sério??!?”, rebatia, indignado.

Então certa vez ele me mandou um email com a inscrição do Evangelho apócrifo de São Tomé, que diz: "O Reino de Deus está dentro de Você e à Sua volta; Não em prédios de madeiras ou pedras. Rache uma lasca de madeira e EU estarei lá; Levante uma pedra e ME encontrará". Obviamente, se reconhecido e oficializado, o escrito representaria a falência de toda e qualquer religião. Mas quem o faria além da própria religião? Voltamos à estaca zero. Mas pra mim, tudo já havia mudado. Blue birds fly over the rainbow, baby.

É estranho pensar que um ateu mudou minha forma de ver Deus. Não arrancando o Todo Poderoso do meu peito com esta pretensão de que é feita a maioria da espécie ateística. Tampouco me subestimando pelo simples fato de’u ter fé em algo que ele tinha certeza não existir. Não. Apenas riu e disse: ‘Over the rainbow, baby, OVER’.

Hoje meu Deus é terra molhada, é sorvete no pôr-do-sol, é brisa no rosto, é corpo solto. Toda vez que vou à ponte do Sumaré, eu sinto Deus. Meu Deus é um cara bacana, que peca comigo, segura minha mão quando choro e diz: “Porra, eu te avisei, caralho!”.

A vida não é fácil, né? Aos ateus, meu pesar. Deve ser horrível não ter um Deus.

13 comentários:

Dália Monteiro disse...

Engraçado, nossos pensamentos se assemelham nesse quesito. Me desvinculei da religiosidade porque, dada a humanidade que a circunda (e a permeia também, completamente), ela é instrumento de opressão, cega, limita. Que Deus é esse que dá livre arbítrio mas que destruirá seres humanos caso eles não o adorem?

creio em uma força superior. Não exatamente um deus, não exatamente uma divindade... Uma lei que rege a tudo e a todos. Essa é a minha fé, que, como a maioria das pessoas, eu preciso pra explicar o que a razão não consegue.

Dália Monteiro disse...

Ah, foi a Ludmila aí em cima.

PET/Letras-Ufal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Victor disse...

Eu penso que muito de tudo isso é, em parte, culpa de nosso comodismo de receber não uma religião mas uma espiritualidade cultural pouco pensada e nos darmos por satisfeitos apenas isso. O que quero dizer é que falta mais teologia no caldo entende?
É muito óbvio que eu mesmo já tive meu agnosticismo mas algo de muito bom que ele me trouxe foi uma curiosidade honesta por aquilo que eu dizia que acreditava e pensava que conhecia em lugar da rejeição do que na verdade eram meus próprios preconceitos arraigados.

No fim, lendo sobre o que era a religião, indo buscar nas fontes e não nos "resumos", as primeiras descobertas são as de que aquele Deus castigador do mau, o prêmio do céu e os infernos flamejantes o sexo e pecado original (wtf?) eram produto de minha religiosidade "infantil e automática" entende?

E foi isso que me trouxe muita tranquilidade e, por que não dizer, fé? Sim, na humanidade também: pois não é pq a gente faz cagadas por aí que tudo que sai de nossas mãos é igualmente desprezível. A gente fez a música, a gente fez a ciência, a gente fez a poesia e tudo isso também já foi usado pra opressão, para propaganda, para ódio. E no entanto a culpa não está nas coisas em si. Seria injustíssimo rejeitá-las.

Eu penso que, como quase todo tipo de conhecimento, a espiritualidade é um músculo: ou você estimula ou atrofia

PS: Putz postei pelo e-mail do PET de novo... ¬¬

ISA disse...

Excelente análise, Vitor!

Júlio Arantes disse...

Você insistiu bastante na divulgação dessa postagem, então vou dar a minha parcela de contribuição, ainda que o próprio texto tenha elementos claros de interdição ao debate...

Em primeiro lugar, vc se equivoca e induz ao equívoco quando classifica os ateus como fanáticos e intolerantes. Não precisa ler muito pra saber que isso é uma inversão histórica absurda... todos os genocídios em nome de deus que atravessam os séculos (e com uma mãozinha da indústria de armas tem continuado insistentemente) deveriam ser suficientes para perceber quem são os intolerantes e fanáticos. Como parecem não ser, estou aqui lembrando esse pequeno detalhe.

Outro detalhe sobre o que vc chama de fanatismo dos ateus: sim, é preciso carregar no cerne essa certeza, dada a pressão e imposição absolutamente desproporcionais que se sofre, desde o nascimento, para se submeter à vontade de deus.

Isso conduz ao segundo ponto: a religiosidade é de tal forma introjetada que conduz a respostas que não são sequer criteriosas... "religião foi criada pelo homem, deus não"?? Errado. Sem religiões e religiosidade, nem mesmo o conceito de deus existiria. O surgimento da religiosidade precede o surgimento do conceito de deus. É só estudar história (mas não qualquer história da carochinha... a propósito, a bíblia e correlatos de outras religiões não são livros de história... no máximo fornecem informações que revelam hábitos culturais, que devem ser criticamente analisados enquanto tal) pra perceber precisamente isso... o que chamam de deus é um conceito, uma ideia.

Por fim, o seu texto trata aos ateus com homogeneidade e generalismo. A espécie ateística, como vc chama, não se reúne em torno de um livro de dogmas. Não é uma outra religião (salvo um ou outro grupo que, por falta de criticidade, tem essa proposta).

Ah, só pra não passar em branco, não ter um deus não é horrível. Ao contrário. Horrível é continuar sendo oprimido por fazer escolhas que não são, nem de longe, as que continuam sendo impostas.

ISA disse...

Bom, se vc leu, não me entendeu. Vamos lá:

1. Eu disse que há uma PARTE intolerante dos ateus em não respeitar a fé alheia. E achar que é isso e ponto final. Ora, eu acredito em forças superiores a nossa, nem por isso estou na Igreja me submetendo a uma lavagem cerebral.

2. Eu TAMBÉM disse que lutar em nome de Deus é um equívoco dos fanáticos religiosos. Mas nos dias de hoje subestimar a inteligência de alguém pelo simples fato da fé, tbm é intolerância e fanatismo.

3. Não critiquei a certeza dos ateus, pelo contrário. Eu gostaria muito de tê-la. E me questionar a respeito dos mistérios entre o céu e a terra faz bem para a minha mente, obrigada.

4. Religião é coisa dos Homens, SIM. É um mercado, um negócio. Qdo vc diz que sem religião não haveria Deus, lida com hipóteses, o que não vem ao caso.

5. Repetindo que tentei não generalizar, tanto, que falei do meu ex-namorado - uma espécie de ateu tolerante. No entanto, alguns filósofos ateus tratam o ateísmo como religião SIM, de forma tão radical quanto.

6. Por último, bom pra vc que não acha horrível não ter um Deus, se vc é feliz assim, respeito. Mas como vc mesmo acabou de demonstrar, é desse intolerância de NÃO respeitar o meu Deus de que falo.

Cada-um-no-seu-quadrado.

Júlio Arantes disse...

vc defendeu sua opção por acreditar em deus, eu esclareci dois pontos (de tantos possíveis) do seu texto que equivocam e invertem a relação histórica de intolerância... um, que o conceito de deus só surge depois do surgimento da religiosidade (isso não é suposição sem fundamento... isso se chama estudar pra falar). O outro ponto é que os discordantes da ideia de existência de deus sempre foram oprimidos por isso (especialmente pelas religiões monoteístas)... oprimidos, perseguidos, silenciados, mortos, torturados e mais algumas coisinhas. Até nos piores livros de história do ensino médio dá pra se informar sobre isso. O fato de que haja uma reação, em alguns casos com a mesma posição de intolerância, é consequência da opressão e não o contrário. Detalhe é que eu não me incluo entre estes, embora vc tenha me incluído... Mas eu me coloco sim no grupo dos que se dispõe a debater sobre isso. Eu não desrespeitei sua opção, só disse que deus não existe... se isso for ofensa, então vc me ofende qdo diz o contrário, uma vez que minha crença é diferente, não acha? Quer ter fé, tenha, só não se valha disso pra se colocar como vítima. E não tome o assunto como cada um no seu quadrado (a melhor forma de interditar o diálogo)... os assuntos que afetam o conjunto da humanidade tem sim que ser discutidos.

Jasmelino M. disse...

Muito legal veih! =D, muito bom de ler, descontraído, escrachado e sincero! É bem isso ai...Parabéns! :**

Mário disse...

Chesterton, grande escritor inglês e cristão tardio, tem uma boa sacada sobre o ateísmo: "Quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em qualquer coisa."

ISA disse...

O cada-um-no-seu-quadrado hoje se faz estritamente necessário no exercício da tolerância nos dias ATUAIS.

Não fiz um tratado histórico. É só um texto, puro e simples.

Obrigada aos que leram!

Nina Pilar disse...

uma excelente reflexão.amei.

beijinhos

Nina Pilar disse...

uma excelente reflexão.amei.

beijinhos