Em cinema, sequências são aperitivos. A platéia, geralmente, tem uma vaga idéia sobre o que vai encontrar. Não é o caso de Tropa de Elite 2, que pouco lembra a violência-motim e os jargões da película anterior. Ao arriscar na história do capitão Roberto Nascimento (Wagner Moura), José Padilha quebra um tabu do cinema brasileiro: pela primeira vez, um filme sobre violência social é narrado do ponto de vista dos policiais. Bandido agora é bandido e não mocinho, como se vê no excelente documentário ‘Ônibus 174’ do mesmo Padilha e ‘Cidade de Deus’, de Fernando Meirelles.
A grande sacada do diretor, desde o início, é fazer de seu anti-herói o narrador-personagem da trama - criando uma empatia quase imediata com o público. Outro grande mérito, típico das direções de Padilha, é trazer à tona, debates de interesse público. E violência, sempre. É amigo, se tá a fim de love story, vá assistir Titanic.
No início de Tropa de Elite 2, trava-se uma pseudo batalha entre as ideologias de esquerda e o que se chama de ‘direita’. Ambas representadas nas figuras do deputado estadual Fraga (Irandhir Santos) e do Capitão Nascimento, respectivamente. Pseudo porque o embate não fica claro e pseudo também porque, a certa altura, as ideologias se tocam. Mais que isso: se complementam, como deveria ser. A suposta e, talvez, necessária truculência de Nascimento num duelo pertinente com os Direitos Humanos defendidos por Fraga gera consequências lucrativas (por que não dizer assim?) para as duas vertentes. E-xa-ta-men-te como deveria ser.
Se antes o foco era a polícia corrupta e o tráfico de drogas, o percalço - que Nascimento se refere como ‘O Sistema’ - se mostra muito mais poderoso. Agora Coronel, separado da mulher (Maria Ribeiro) e distanciado do filho (Pedro Van-Held), nosso anti-herói ressurge como Secretário de Segurança de um Estado falido nas promessas de bem-estar público e provedor de uma reação em cadeia: a corrupção.
Não há referências bibliográficas, mas ali nos assombra o insistente fantasma da ‘vida como ela é’. Padilha não arrisca nomes, mas é possível citar dezenas de casos semelhantes na política e na imprensa nacional, não é, PC Farias e Tim Lopes? Uma política e polícia formadas por abutres, uma imprensa que age como cortina de fumaça e uma classe média vítima e algoz desse sistema.
O diretor empresta, com esperteza e generosidade, os olhos de seu Nascimento ao público. Com ele, a gente se indigna e se enoja diante de tanta inescrupulosidade. A gente se sente só. Se antes o capitão ainda oscilava na pele de vilão, nesta versão ele surge imbuído de uma integridade e honestidade dilacerantes, contagiantes.
Saí do cinema com a estranha sensação de que eu, convertida em povo e imprensa, não sei de NADA, colega. Da missa o terço. Eu vim de um estado onde é comum matar por rivalidades políticas. Crimes de mando, pistolagem e queima de arquivo. Um disse que disse, e a corja sai impune, aclamada por um povo que não sabe o quanto vale o próprio voto. Na Paulicéia não é lá muito diferente.
Entrei no cinema com a mesma vontade de quando entrei na faculdade de jornalismo: mudar o mundo. Mas ao contrário de Nascimento, levantei da cadeira sem nenhuma esperança.
2 comentários:
Ludmilla! Perfeita sua crítica; deu até vontade de assistir novamente ao filme dessa vez, com seu texto impresso ao lado. Meus parabéns fofinha!
Só que o texto não é da Ludmila, fofinho. É da Isa.
Obrigada!
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