domingo, 30 de janeiro de 2011

A força está conosco


Nerd. Primeira vez que fui associada à palavra, fiquei, não há outro modo de descrever, fula da vida. Pudera: meu pífio conhecimento acerca do termo e de todos os seus afluentes provinha de filmes americanos. E filmes americanos, amigos, não devem ser tomados como referência pra nada. Para mim, nerds eram aqueles patéticos coadjuvantes de quase todo blockbuster adolescente, que serviam de saco de pancada dos valentões/populares e usavam óculos remendados, tinham espinhas, vida social 0 e pouca ou nenhuma habilidade com o sexo oposto.

Por mais passível de perdão que fosse minha ignorância à época, afinal, eu tinha uns 12 anos de idade, ainda hoje me envergonho de ter reproduzido esse julgamento. Porque a acusação procedia, no fim das contas: eu era nerd. E, por ser nerd, sofri bastante, perseguida por gente que revelava o mesmo senso comum que espelhei quando fui definida dessa forma por alguém. Adolescentes podem ser seres maquiavélicos, tão sedentos por aceitação que para consegui-la chegam a humilhar pessoas cujo ‘crime’ é simplesmente destoar do padrão.

Nerds, meus caros, nada mais são que pessoas que não refletem as preferências das médias de gosto e enveredam por atividades, hobbies e preferências relacionados a videogames, desenhos animados, mangás e animes, RPG, universos paralelos, livros de fantasia e ficção científica. Por não seguirem o gosto das maiorias, são escorraçados. Fórmula simples. E aos que nos acusam de insanos e fanáticos (ou alienados da realidade), eu rebato: e os colecionadores de correntes e bonés de aba reta? E as garotas adolescentes que morrem de amores por um vampirinho fluorescente ou por qualquer uma destas efêmeras boy bands? Não são muito diferentes de nós, não concordam? Com a diferença de que a maioria de nossas preferências nos conduzem a algum tipo de compensação intelectual.

Mas os tempos mudaram, e devo ser justa: nossa vida melhorou. Não porque as pessoas tomaram consciência de que as diferenças devem ser respeitadas por representarem a mais intensa e preciosa manifestação da dinâmica humana. Mas indústria abriu os olhos (e portas e janelas) ao lucrativo mercado tecnológico, já que a contemporaneidade está cada vez mais atrelada e imersa no mundo virtual. Voilá!: somos, de repente, necessários.

O nerd caiu nas graças da moda. No cinema, na música, no mercado de trabalho, eles vêm conquistando um espaço que era impossível de se imaginar duas décadas atrás. Prova disso é a popular (e engraçadíssima) série The Big Bang Theory e algumas outras menos explícitas, porém de cunho bastante denso, bem ao gosto geek: Lost, House, Heroes. Ou o visual/estilo de muitas das bandas da atualidade (excetuando, coerentemente, os difusores do happy rock): o indie nunca esteve tão em alta. Até mesmo um vlogger nerd conseguiu cair no gosto de milhões de brasileiros e vive hoje de seus vídeos – e muito bem, obrigado – disponibilizados numa ferramenta também bastante nerd: o YouTube. Aliás, alguém aqui vive sem o Google? Não? Pois bem. Adivinhem o que os fundadores do Google são.

De repente, fomos promovidos a ‘tribo urbana’ – mesmo patamar ocupado por punks, grunges, góticos e outros –, respeitados, requisitados até. Uma lástima que a óbvia razão disso tudo seja algo frívolo como o vil metal. Descobriram que o nerd de hoje é o cara rico de amanhã e isso deu à corja de quatro-olhos um pedestal de respeito, quase soberania. Porque são eles que montam os amados-idolatrados-salve-salve iPods, iPhones, iPads e todos esses i’s. Foram as horas diante do computador de um deles que trouxeram à sociedade a benesse das redes sociais do tipo Orkut/Facebook/Twitter. Sem falar nos sistemas operacionais, blu-rays, nintendos e PSs e toda parafernália tecnológica que hoje em dia não é menos que essencial.

Não tenho uma opinião formada sobre estes novos tempos áureos. Não dá pra ser maniqueísta e classificar a situação como boa ou nociva, já que tudo o que embarca nessa onda mercadológica corre o risco de ser passageiro. Tudo bem que nossos alvos de interesse estão mais acessíveis e nossa vida está deveras mais descomplicada, mas corremos o risco de ser chamados de posers, uma vez que qualquer seguidor de moda tem sua autenticidade posta à prova (ou em xeque, mesmo). Fora que toda essa coisa de tribalização é meio estúpida e superficial... E ainda bate aquele medo de que os nerds caiam no marasmo da aceitação, como todo o resto. Será que sem a adversidade, poderemos continuar a evoluir? Responda-nos, Asimov!

O que eu posso fazer é declarar certo alívio, já que a nova geração de pequenotes é toda vidrada em videogames e desenhos animados cada vez mais espaciais, e seria lamentável que estes diabretes, futuros nerds, tivessem que enfrentar a rejeição na fase da vida em que as suas conseqüências são mais decisivas e permanentes. Também me sinto aliviada por ter achado meu lugar ao sol, que não é muito diferente do da maior parte das pessoas. Na verdade, eu permaneci onde estava... A opinião pública é que mudou consideravelmente.

Achar que todo nerd é o tipo esquálido que a indústria do cinema hollywoodiano vende é quase a mesma coisa que achar que comunistas comem criancinhas, ou que os Estados Unidos são a terra da liberdade. O nerd não possui uma característica física ou um modo de vestir que o caracterize. Eu mesma já surpreendi muita gente ao assumir minha, digamos, ‘opção social’. Somos capazes de nos misturar, conversar sobre qualquer pauta, ter vida social/sexual/amorosa e ainda assim gostar muito de videogame e livros de fantasia. Temos senso de humor e nosso entendimento de piadas vai muito além de circuitos de computador e fórmulas físicas. Em suma, somos pessoas absolutamente normais. Portanto, amigos meus de ‘tribos’ outras que reclamam que eu ando com gente estranha demais, dispam-se, um pouco que seja, deste preconceito e percebam que a amiga de vocês aqui é tão estranha quanto. ;)

Ludmila é nerd, estudante de jornalismo, joga RPG e garante que o fato de um homem entender que meia lua pra frente + bola = hadouken é extremamente afrodisíaco. Bom pra ela.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CARTA PARA MISS WINEHOUSE - Show em São Paulo

Eu não fui ao show de Sir Paul McCartney e isso foi para sempre uma ferida no peito, sem compensações, todas as penitências. A vinda de Paul foi mesmo a esperança de dias melhores e eu não estava lá. Aí fiquei por toda a eternidade amargando no Limbo, desolada.

Então soube do show da Amy. ‘Eis minha chance de redenção’, pensei. E antes que me venham as pedras, não estou a comparar Sir McCartney com Miss Winehouse. Mas cada um carrega as cruzes que lhe aprouver, estas são as minhas.

Belo dia um amigo questionou: ‘Vc não fuma, não cheira, mal bebe... Por quê Amy?’. Não é nada disso, sabe? Amy foi reduzida ao tom pálido e esquelético da Bad Girl que o mundo a-ma comprar. E achincalhar. Mas ao contrário do que prega o senso comum, Amy é toda amor. Senhoras e senhores, a pequena judia de Londres é MAIS e eu vi com estes olhos que a terra há de comer. É black, é soul, jazz, blues, R&B, reggae. Na voz potente, no corpo franzino, na catarse da contradição.

Amy Winehouse lembra um personagem de Machado de Assis: eterna convalescente de um luto, de um casmurro. Só as grandes divas do jazz sofreram de amor como ela e transformaram a dor em melodia com gosto de cachaça. Um brinde, pois! Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Etta James, Sharon Jones. ‘You go back to her and I go back to us...’. Pura identificação. Em Back to Black, álbum que a revelou como fenômeno, Amy canta os dissabores do abandono em lágrimas secas. Sem máscaras, em fratura exposta. Transformando o lugar-comum. O que aconteceu em Back to Black não acontece toda hora. Beyoncé e similares, por favor, nasçam de novo.

Amy, a subversiva, a preguiçosa que não se leva a sério, tampouco seus muitos vinténs. Amy avisa "I told you I was a trouble"com toda a honestidade que lhe é peculiar. Seu show foi isso, honesto. Talvez eu não devesse, mas estava solidária com Amy. Se ela cantasse UMA música apenas, teria valido meu ingresso. Ela cantou DEZ e algumas extras, ainda não lançadas. Não perdeu o timing, o timbre, a voz. De onde eu estava, foi uma vida inteira de emoção gratuita.

Não há um fã de Winehouse que não sofra por ela como quem sofre por uma irmã mais nova. De verdade, de longe, de mãos atadas na vontade de jogá-la debaixo de um chuveiro frio. Mas quem mesmo precisa de uma Amy comportada? Tsc! Eu quero mais é que ela quebre tudo, que erre a letra, que seja o que ninguém pode ser. Amy já pode morrer, senhores. Assim como Che Guevara, já virou estampa cool nas camisetas dos teenagers, simbolizando rebeldia. Amy já pode morrer. E, se morrer, morra cantando. E, se viver, viva gravando álbuns. Seja Joplin, uma lenda morta. Seja McCartney, uma lenda viva. E seja Amy, que é o que ela sabe ser melhor.

Cheguei ao Summer Soul Festival indiferente ao sol de 31°C, às 8 horas de espera e à multidão histérica, só para vê-la de perto. A vida é uma só, afinal. Obrigada pelo melhor dia, Miss Winehouse. 

domingo, 9 de janeiro de 2011

Convenientemente convencionado

Convenções.

Anos atrás, eu gostava de me classificar como imune a estas cujas ditas. Aliás, era uma das críticas mais ferrenhas da minha coleção de debates: eu trazia no bolso trilhões de argumentos e travava discussões homéricas sobre a hipocrisia do mundo, o distanciamento que há entre ser um ‘bom cidadão’ e ser autêntico... Os velhos blábláblás de sempre. E, numa pretensão inconsciente, ou ao menos não-intencional, eu não me punha no patamar de vítima/escrava/praticante desse meu objeto de repúdio. Oras, se eu sabia o quão maléficas elas podiam ser, se tinha plena consciência do que era e do que não era convencionado, automaticamente eu tinha de ser uma exceção, livre do poder de influência das benditas. Não tinha?

Errada, mocinha!

Mas vocês hão de perdoar uma jovenzinha deslumbrada pelos recém-descobertos benefícios da retórica e dos outros frutos de leituras muitas. Adolescentes tendem a encantar-se com tudo, não importa em que aspecto e acabam por , estabanados, trocar os pés pelas mãos. Felizmente, o tempo me deu um pouco de discernimento e eis-me aqui, totalmente envolvida com as amarras que tanto lutei pra desatar... E consciente de todas elas.

Apregoaram por aí que o homem é um produto do meio e do momento histórico que vivencia. A priori, a frase deu-me muito que pensar, indecisa entre concordar ou apenas menear a cabeça no conforto do meio-termo. Anos depois, eu descobri as graças da concordância parcial. Desconfio de observações absolutas. Mas sim, somos um reflexo, ainda que em menor escala, da nossa realidade. Não da forma determinista como apresentam os livros da ciência amante do saber, querida filosofia, mas proporcionalmente a uma série de quesitos internos. É impossível não carregar um mínimo dos condicionamentos com que somos bombardeados desde meninos. Claro que o tempo nos agracia – ao menos a alguns de nós – com uma espécie de membrana plasmática, daquelas semi-permeáveis, para separar o joio do trigo. No entanto, é um filtro falho, como tudo o que diz respeito a nós, humanos.

E aqui estou eu, completamente imersa nas tais convenções. Quando digo que são muitas, infelizmente não se trata de uma hipérbole. Comecemos por um exemplo dos mais irrelevantes. Há pouco mais de dois anos, incutiram-me na cabeça que escrever redações com palavras no gerúndio é errado. Por conta disso, passei um ano sofrido, cheia de dedos, evitando as malditas letrinhas ‘ndo’ nas redações, temendo que o risco vermelho da caneta do professor subtraísse pontos dos textos que eu me esmerava tanto em escrever. Na faculdade, ninguém censurou meus gerúndios. Sequer mencionaram algo contra eles. Ora bolas... Se eles existem, por que não usá-los, caramba? Estúpida essa língua cheia de meros apêndices que só têm a serventia de complicar a vida escolar.

Mas tudo não passa de convenção!

E agora meu prazer quase sádico é livrar-me delas, uma a uma. É um esforço quase hercúleo. Porque me habitam resquícios de machismo, conservadorismo, superficialismo, toda essa coisa arraigada desde antes de eu saber pensar. São parênteses demais os que me acorrentam. E, sinceramente, já me despi da vergonha de assumi-los. Sim, eu morro de preocupação com o que pensam de mim. Gasto tempo deixando minha aparência aceitável. Deixo de tomar iniciativas só porque a sociedade deu esse aval aos homens. Em muita coisa, não passo de um espelho do senso comum, e isso me mortifica. A parte boa é que estar consciente disso já é um passo; querer livrar-se é outro. Força de vontade não me falta, mundo. Posso muito bem lidar com os outros 500 pendentes, não posso?

Que 2011 seja o ano da libertação, amém!

domingo, 2 de janeiro de 2011

TROVÃO & EU



Primeiro de Janeiro de 2011 amanheceu nublado, chuvoso, triste. Trovão, meu cavalo querido, morreu. A chuva da madrugada que insistia pela manhã era um presságio, um mau agouro.

Trovão já não vinha bem, mas era forte, oponente, daqueles cavalos que emprestam vida a gatos. Infelizmente, no entanto, meu belo eqüino foi vítima de uma doença muscular hereditária. Não é fatal, mas em muitos casos, pode sim, causar morte súbita, como foi o caso. Vcs não sabem, mas cavalo é como gente, até na hora da morte. Tem aqueles picos de vivacidade, para morrer assim, de súbito, sem despedidas. No games, no pain.

Trovão apareceu na minha vida há uns 7 anos. Na época, ele já tinha 14. Veio para substituir um pôney que meu avô precisou vender. O pequeno pôney se chamava Tomber. Diante dos meus chororôs, meu avô apareceu com o Trovão.

E eu, que nunca acreditei em amor à primeira vista, estava lá, encantada com aquele Bretão negro, sedutor. O nome dele me veio à mente, na mesma hora. Trovão lembrava as forças da natureza. Impávido, vigoroso, mas uma vez familiarizado, dócil e companheiro. Eu abandonaria qualquer homem pra viver para sempre com ele, sério. Quem ama gatos e cachorros é que não conhece os cavalos e tudo que este animal proporciona.

Eu via Trovão pelo menos uma vez por mês quando morava em Maceió, mas não o vi no último ano de São Paulo. Quando voltei à Fazenda, morri de medo que ele não me reconhecesse. Cheguei devagar, alisando a crina, fazendo-o sentir meu cheiro. E, enfim, ele me reconheceu. Cavalos são incríveis. Têm o faro e a docilidade dos caninos, a inteligência dos felinos, mas a palavra que os define mesmo é L-I-B-E-R-D-A-D-E. Não há animal mais eloqüente no ‘ser livre’. E mais generoso nisso. Ele te empresta o livre-arbítrio dele. Deixa-o montar na garupa e correr mundo afora. Deixa-o sentir o mundo e leva seu destino no peito. Vê, que paradoxo?


Vcs são parceiros e cúmplices de todos os crimes, de todas as peripécias. Vcs são Bonnie & Clyde, Romeu & Julieta. Dois contra o mundo. Impunes, imunes. E assim fomos nós ontem. Ele e eu nos pastos. Ele, generoso, pedindo ao vento para soprar meus cabelos, para afagar minhas dores, minhas perdas, meus amores. Nenhum homem faria isso por vc, garota. Vai por mim, nenhum.

Quando ele se foi, assaltou-me uma galeria de flashes dos melhores momentos. Quando ele me derrubou no lago para brincar comigo, em um desses meus aniversários. Quando eu ainda estava aprendendo a domá-lo e ele quase me derrubou no farinheiro. Quando eu apostei corrida montada nele. E venci. Quando ele parou comigo, ao ver a ponte quebrada, dizendo: ‘não vamos por aí, não há caminhos’.

Todas as minhas lágrimas e todos os meus pesares a vc, meu fiel escudeiro, meu doce companheiro. Vai lá, ensina como se faz alguém feliz, onde quer que vc esteja.

Com amor, com muito amor.

Flavinha, que é como vc me conheceu.




‘Mas o mundo foi rodando...
 Nas patas do meu cavalo

E já que um dia montei, agora sou cavaleiro

Laço firme e braço forte 
num reino que não tem rei...’
(Geraldo Vandré - Disparada)

PS: O título deste texto é uma óbvia e breve sátira ao filme ‘Marley & Eu’. Sempre odiei filmes com bichos, aliás. Ironia fina. Free Willy? My ass, baby.