Nerd. Primeira vez que fui associada à palavra, fiquei, não há outro modo de descrever, fula da vida. Pudera: meu pífio conhecimento acerca do termo e de todos os seus afluentes provinha de filmes americanos. E filmes americanos, amigos, não devem ser tomados como referência pra nada. Para mim, nerds eram aqueles patéticos coadjuvantes de quase todo blockbuster adolescente, que serviam de saco de pancada dos valentões/populares e usavam óculos remendados, tinham espinhas, vida social 0 e pouca ou nenhuma habilidade com o sexo oposto.
Por mais passível de perdão que fosse minha ignorância à época, afinal, eu tinha uns 12 anos de idade, ainda hoje me envergonho de ter reproduzido esse julgamento. Porque a acusação procedia, no fim das contas: eu era nerd. E, por ser nerd, sofri bastante, perseguida por gente que revelava o mesmo senso comum que espelhei quando fui definida dessa forma por alguém. Adolescentes podem ser seres maquiavélicos, tão sedentos por aceitação que para consegui-la chegam a humilhar pessoas cujo ‘crime’ é simplesmente destoar do padrão.
Nerds, meus caros, nada mais são que pessoas que não refletem as preferências das médias de gosto e enveredam por atividades, hobbies e preferências relacionados a videogames, desenhos animados, mangás e animes, RPG, universos paralelos, livros de fantasia e ficção científica. Por não seguirem o gosto das maiorias, são escorraçados. Fórmula simples. E aos que nos acusam de insanos e fanáticos (ou alienados da realidade), eu rebato: e os colecionadores de correntes e bonés de aba reta? E as garotas adolescentes que morrem de amores por um vampirinho fluorescente ou por qualquer uma destas efêmeras boy bands? Não são muito diferentes de nós, não concordam? Com a diferença de que a maioria de nossas preferências nos conduzem a algum tipo de compensação intelectual.
Mas os tempos mudaram, e devo ser justa: nossa vida melhorou. Não porque as pessoas tomaram consciência de que as diferenças devem ser respeitadas por representarem a mais intensa e preciosa manifestação da dinâmica humana. Mas indústria abriu os olhos (e portas e janelas) ao lucrativo mercado tecnológico, já que a contemporaneidade está cada vez mais atrelada e imersa no mundo virtual. Voilá!: somos, de repente, necessários.
O nerd caiu nas graças da moda. No cinema, na música, no mercado de trabalho, eles vêm conquistando um espaço que era impossível de se imaginar duas décadas atrás. Prova disso é a popular (e engraçadíssima) série The Big Bang Theory e algumas outras menos explícitas, porém de cunho bastante denso, bem ao gosto geek: Lost, House, Heroes. Ou o visual/estilo de muitas das bandas da atualidade (excetuando, coerentemente, os difusores do happy rock): o indie nunca esteve tão em alta. Até mesmo um vlogger nerd conseguiu cair no gosto de milhões de brasileiros e vive hoje de seus vídeos – e muito bem, obrigado – disponibilizados numa ferramenta também bastante nerd: o YouTube. Aliás, alguém aqui vive sem o Google? Não? Pois bem. Adivinhem o que os fundadores do Google são.
De repente, fomos promovidos a ‘tribo urbana’ – mesmo patamar ocupado por punks, grunges, góticos e outros –, respeitados, requisitados até. Uma lástima que a óbvia razão disso tudo seja algo frívolo como o vil metal. Descobriram que o nerd de hoje é o cara rico de amanhã e isso deu à corja de quatro-olhos um pedestal de respeito, quase soberania. Porque são eles que montam os amados-idolatrados-salve-salve iPods, iPhones, iPads e todos esses i’s. Foram as horas diante do computador de um deles que trouxeram à sociedade a benesse das redes sociais do tipo Orkut/Facebook/Twitter. Sem falar nos sistemas operacionais, blu-rays, nintendos e PSs e toda parafernália tecnológica que hoje em dia não é menos que essencial.
Não tenho uma opinião formada sobre estes novos tempos áureos. Não dá pra ser maniqueísta e classificar a situação como boa ou nociva, já que tudo o que embarca nessa onda mercadológica corre o risco de ser passageiro. Tudo bem que nossos alvos de interesse estão mais acessíveis e nossa vida está deveras mais descomplicada, mas corremos o risco de ser chamados de posers, uma vez que qualquer seguidor de moda tem sua autenticidade posta à prova (ou em xeque, mesmo). Fora que toda essa coisa de tribalização é meio estúpida e superficial... E ainda bate aquele medo de que os nerds caiam no marasmo da aceitação, como todo o resto. Será que sem a adversidade, poderemos continuar a evoluir? Responda-nos, Asimov!
O que eu posso fazer é declarar certo alívio, já que a nova geração de pequenotes é toda vidrada em videogames e desenhos animados cada vez mais espaciais, e seria lamentável que estes diabretes, futuros nerds, tivessem que enfrentar a rejeição na fase da vida em que as suas conseqüências são mais decisivas e permanentes. Também me sinto aliviada por ter achado meu lugar ao sol, que não é muito diferente do da maior parte das pessoas. Na verdade, eu permaneci onde estava... A opinião pública é que mudou consideravelmente.
Achar que todo nerd é o tipo esquálido que a indústria do cinema hollywoodiano vende é quase a mesma coisa que achar que comunistas comem criancinhas, ou que os Estados Unidos são a terra da liberdade. O nerd não possui uma característica física ou um modo de vestir que o caracterize. Eu mesma já surpreendi muita gente ao assumir minha, digamos, ‘opção social’. Somos capazes de nos misturar, conversar sobre qualquer pauta, ter vida social/sexual/amorosa e ainda assim gostar muito de videogame e livros de fantasia. Temos senso de humor e nosso entendimento de piadas vai muito além de circuitos de computador e fórmulas físicas. Em suma, somos pessoas absolutamente normais. Portanto, amigos meus de ‘tribos’ outras que reclamam que eu ando com gente estranha demais, dispam-se, um pouco que seja, deste preconceito e percebam que a amiga de vocês aqui é tão estranha quanto. ;)
Ludmila é nerd, estudante de jornalismo, joga RPG e garante que o fato de um homem entender que meia lua pra frente + bola = hadouken é extremamente afrodisíaco. Bom pra ela.