domingo, 2 de janeiro de 2011

TROVÃO & EU



Primeiro de Janeiro de 2011 amanheceu nublado, chuvoso, triste. Trovão, meu cavalo querido, morreu. A chuva da madrugada que insistia pela manhã era um presságio, um mau agouro.

Trovão já não vinha bem, mas era forte, oponente, daqueles cavalos que emprestam vida a gatos. Infelizmente, no entanto, meu belo eqüino foi vítima de uma doença muscular hereditária. Não é fatal, mas em muitos casos, pode sim, causar morte súbita, como foi o caso. Vcs não sabem, mas cavalo é como gente, até na hora da morte. Tem aqueles picos de vivacidade, para morrer assim, de súbito, sem despedidas. No games, no pain.

Trovão apareceu na minha vida há uns 7 anos. Na época, ele já tinha 14. Veio para substituir um pôney que meu avô precisou vender. O pequeno pôney se chamava Tomber. Diante dos meus chororôs, meu avô apareceu com o Trovão.

E eu, que nunca acreditei em amor à primeira vista, estava lá, encantada com aquele Bretão negro, sedutor. O nome dele me veio à mente, na mesma hora. Trovão lembrava as forças da natureza. Impávido, vigoroso, mas uma vez familiarizado, dócil e companheiro. Eu abandonaria qualquer homem pra viver para sempre com ele, sério. Quem ama gatos e cachorros é que não conhece os cavalos e tudo que este animal proporciona.

Eu via Trovão pelo menos uma vez por mês quando morava em Maceió, mas não o vi no último ano de São Paulo. Quando voltei à Fazenda, morri de medo que ele não me reconhecesse. Cheguei devagar, alisando a crina, fazendo-o sentir meu cheiro. E, enfim, ele me reconheceu. Cavalos são incríveis. Têm o faro e a docilidade dos caninos, a inteligência dos felinos, mas a palavra que os define mesmo é L-I-B-E-R-D-A-D-E. Não há animal mais eloqüente no ‘ser livre’. E mais generoso nisso. Ele te empresta o livre-arbítrio dele. Deixa-o montar na garupa e correr mundo afora. Deixa-o sentir o mundo e leva seu destino no peito. Vê, que paradoxo?


Vcs são parceiros e cúmplices de todos os crimes, de todas as peripécias. Vcs são Bonnie & Clyde, Romeu & Julieta. Dois contra o mundo. Impunes, imunes. E assim fomos nós ontem. Ele e eu nos pastos. Ele, generoso, pedindo ao vento para soprar meus cabelos, para afagar minhas dores, minhas perdas, meus amores. Nenhum homem faria isso por vc, garota. Vai por mim, nenhum.

Quando ele se foi, assaltou-me uma galeria de flashes dos melhores momentos. Quando ele me derrubou no lago para brincar comigo, em um desses meus aniversários. Quando eu ainda estava aprendendo a domá-lo e ele quase me derrubou no farinheiro. Quando eu apostei corrida montada nele. E venci. Quando ele parou comigo, ao ver a ponte quebrada, dizendo: ‘não vamos por aí, não há caminhos’.

Todas as minhas lágrimas e todos os meus pesares a vc, meu fiel escudeiro, meu doce companheiro. Vai lá, ensina como se faz alguém feliz, onde quer que vc esteja.

Com amor, com muito amor.

Flavinha, que é como vc me conheceu.




‘Mas o mundo foi rodando...
 Nas patas do meu cavalo

E já que um dia montei, agora sou cavaleiro

Laço firme e braço forte 
num reino que não tem rei...’
(Geraldo Vandré - Disparada)

PS: O título deste texto é uma óbvia e breve sátira ao filme ‘Marley & Eu’. Sempre odiei filmes com bichos, aliás. Ironia fina. Free Willy? My ass, baby.

Um comentário:

Ludmila disse...

"e lá vou eu mundo afora, montado em meu próprio dorso..."