terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CARTA PARA MISS WINEHOUSE - Show em São Paulo

Eu não fui ao show de Sir Paul McCartney e isso foi para sempre uma ferida no peito, sem compensações, todas as penitências. A vinda de Paul foi mesmo a esperança de dias melhores e eu não estava lá. Aí fiquei por toda a eternidade amargando no Limbo, desolada.

Então soube do show da Amy. ‘Eis minha chance de redenção’, pensei. E antes que me venham as pedras, não estou a comparar Sir McCartney com Miss Winehouse. Mas cada um carrega as cruzes que lhe aprouver, estas são as minhas.

Belo dia um amigo questionou: ‘Vc não fuma, não cheira, mal bebe... Por quê Amy?’. Não é nada disso, sabe? Amy foi reduzida ao tom pálido e esquelético da Bad Girl que o mundo a-ma comprar. E achincalhar. Mas ao contrário do que prega o senso comum, Amy é toda amor. Senhoras e senhores, a pequena judia de Londres é MAIS e eu vi com estes olhos que a terra há de comer. É black, é soul, jazz, blues, R&B, reggae. Na voz potente, no corpo franzino, na catarse da contradição.

Amy Winehouse lembra um personagem de Machado de Assis: eterna convalescente de um luto, de um casmurro. Só as grandes divas do jazz sofreram de amor como ela e transformaram a dor em melodia com gosto de cachaça. Um brinde, pois! Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Etta James, Sharon Jones. ‘You go back to her and I go back to us...’. Pura identificação. Em Back to Black, álbum que a revelou como fenômeno, Amy canta os dissabores do abandono em lágrimas secas. Sem máscaras, em fratura exposta. Transformando o lugar-comum. O que aconteceu em Back to Black não acontece toda hora. Beyoncé e similares, por favor, nasçam de novo.

Amy, a subversiva, a preguiçosa que não se leva a sério, tampouco seus muitos vinténs. Amy avisa "I told you I was a trouble"com toda a honestidade que lhe é peculiar. Seu show foi isso, honesto. Talvez eu não devesse, mas estava solidária com Amy. Se ela cantasse UMA música apenas, teria valido meu ingresso. Ela cantou DEZ e algumas extras, ainda não lançadas. Não perdeu o timing, o timbre, a voz. De onde eu estava, foi uma vida inteira de emoção gratuita.

Não há um fã de Winehouse que não sofra por ela como quem sofre por uma irmã mais nova. De verdade, de longe, de mãos atadas na vontade de jogá-la debaixo de um chuveiro frio. Mas quem mesmo precisa de uma Amy comportada? Tsc! Eu quero mais é que ela quebre tudo, que erre a letra, que seja o que ninguém pode ser. Amy já pode morrer, senhores. Assim como Che Guevara, já virou estampa cool nas camisetas dos teenagers, simbolizando rebeldia. Amy já pode morrer. E, se morrer, morra cantando. E, se viver, viva gravando álbuns. Seja Joplin, uma lenda morta. Seja McCartney, uma lenda viva. E seja Amy, que é o que ela sabe ser melhor.

Cheguei ao Summer Soul Festival indiferente ao sol de 31°C, às 8 horas de espera e à multidão histérica, só para vê-la de perto. A vida é uma só, afinal. Obrigada pelo melhor dia, Miss Winehouse. 

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