domingo, 9 de janeiro de 2011

Convenientemente convencionado

Convenções.

Anos atrás, eu gostava de me classificar como imune a estas cujas ditas. Aliás, era uma das críticas mais ferrenhas da minha coleção de debates: eu trazia no bolso trilhões de argumentos e travava discussões homéricas sobre a hipocrisia do mundo, o distanciamento que há entre ser um ‘bom cidadão’ e ser autêntico... Os velhos blábláblás de sempre. E, numa pretensão inconsciente, ou ao menos não-intencional, eu não me punha no patamar de vítima/escrava/praticante desse meu objeto de repúdio. Oras, se eu sabia o quão maléficas elas podiam ser, se tinha plena consciência do que era e do que não era convencionado, automaticamente eu tinha de ser uma exceção, livre do poder de influência das benditas. Não tinha?

Errada, mocinha!

Mas vocês hão de perdoar uma jovenzinha deslumbrada pelos recém-descobertos benefícios da retórica e dos outros frutos de leituras muitas. Adolescentes tendem a encantar-se com tudo, não importa em que aspecto e acabam por , estabanados, trocar os pés pelas mãos. Felizmente, o tempo me deu um pouco de discernimento e eis-me aqui, totalmente envolvida com as amarras que tanto lutei pra desatar... E consciente de todas elas.

Apregoaram por aí que o homem é um produto do meio e do momento histórico que vivencia. A priori, a frase deu-me muito que pensar, indecisa entre concordar ou apenas menear a cabeça no conforto do meio-termo. Anos depois, eu descobri as graças da concordância parcial. Desconfio de observações absolutas. Mas sim, somos um reflexo, ainda que em menor escala, da nossa realidade. Não da forma determinista como apresentam os livros da ciência amante do saber, querida filosofia, mas proporcionalmente a uma série de quesitos internos. É impossível não carregar um mínimo dos condicionamentos com que somos bombardeados desde meninos. Claro que o tempo nos agracia – ao menos a alguns de nós – com uma espécie de membrana plasmática, daquelas semi-permeáveis, para separar o joio do trigo. No entanto, é um filtro falho, como tudo o que diz respeito a nós, humanos.

E aqui estou eu, completamente imersa nas tais convenções. Quando digo que são muitas, infelizmente não se trata de uma hipérbole. Comecemos por um exemplo dos mais irrelevantes. Há pouco mais de dois anos, incutiram-me na cabeça que escrever redações com palavras no gerúndio é errado. Por conta disso, passei um ano sofrido, cheia de dedos, evitando as malditas letrinhas ‘ndo’ nas redações, temendo que o risco vermelho da caneta do professor subtraísse pontos dos textos que eu me esmerava tanto em escrever. Na faculdade, ninguém censurou meus gerúndios. Sequer mencionaram algo contra eles. Ora bolas... Se eles existem, por que não usá-los, caramba? Estúpida essa língua cheia de meros apêndices que só têm a serventia de complicar a vida escolar.

Mas tudo não passa de convenção!

E agora meu prazer quase sádico é livrar-me delas, uma a uma. É um esforço quase hercúleo. Porque me habitam resquícios de machismo, conservadorismo, superficialismo, toda essa coisa arraigada desde antes de eu saber pensar. São parênteses demais os que me acorrentam. E, sinceramente, já me despi da vergonha de assumi-los. Sim, eu morro de preocupação com o que pensam de mim. Gasto tempo deixando minha aparência aceitável. Deixo de tomar iniciativas só porque a sociedade deu esse aval aos homens. Em muita coisa, não passo de um espelho do senso comum, e isso me mortifica. A parte boa é que estar consciente disso já é um passo; querer livrar-se é outro. Força de vontade não me falta, mundo. Posso muito bem lidar com os outros 500 pendentes, não posso?

Que 2011 seja o ano da libertação, amém!

2 comentários:

Mika disse...

Vamos puxar um fumo e se libertarnos das correntes dessa caverna escura da ignorância! -q

Anônimo disse...

Caracaaaa, nunca vi um Blog tão bem escrito como este! Vcs escrevem deliciosamente bem e de maneira viciosa. Confesso que tive de ler todos os posts. Só posso dar-lhes os parabéns!